quarta-feira, 5 de junho de 2013

Em um papel amarelado e frio. Parte II

Os balões que tu deixaste a me segurar, estouraram-se todos, B. E agora, o que será de mim sem ti e sem os balões? Peço que venhas o mais depressa possível, tenho receio de não encontrar subterfúgio que me faça permanecer no ar até que você chegue. Sabes que nada me agrada mais do que me prender a amores vãos que vem cedo, e fogem antes de virarem versos, mas que sempre me mantêm a perambular pelos ares. Sabes do meu medo de fixar-me a um substrato potencialmente daninho, que vá destruir toda a leveza que me custou anos de cabeça-nas-nuvens. Sabes do meu medo de perder asas que não são minhas. Preciso de ti e nada me atordoa ao afirmar isto. Então corres para mim, B.! Este não é apenas mais um dos meus espasmos saudosos, te prometo. Se tu viesses, notaria quão sensata me tornei. E mais bonita, talvez… Se tu viesses, contarias a ti que deixei de pintar as unhas da cor bordô de que tu tanto reclamavas. Por ventura tu notarias que cortei os cabelos novamente, pois sabes, as mudanças na alma são refletidas nos cabelos. Nesses medíocres fios que perdem o brilho quando deixam de enfeitar travesseiros alheios. Apressa-te, B. Não sei quanto tempo me resta antes de tocar aquele chão frio que destrói sonhos. E se eu o tocar, como me lembrarei de ti? Como te escreverei cartas? Tu és o meu balão, B., e eu, faço alarde de qualquer coisa só para te ver voar em minha direção e me capturar para desbravar os céus contigo. 

Da tua aflita e saudosa, C.

Em um papel amarelado e frio. Parte I

B.

Suplicas tuas não irão plantar em mim um sentimento d’agora morto. Não é tão urgente uma explicação, apenas findou. Assim como aquele filme de que gostas tanto. És lindo, deslumbrante, híbrido, endeusado, mas finda. E tu não indaga-lhe o porque. Deixe-me ir, tenho urgência de mim, pois passei demasiado tempo aprisionada em um corpo de ser que desconheço. Adquiri gosto e desgosto por coisas que sequer sabia que existiam. Esses hábitos que me assolam não são meus, esta não é a minha poesia, estes não são meus sonhos… Esta não sou eu! Nego-me a aceitar, pois neste peito cru havia um coração e ele pulsava incansavelmente em busca de afago. Depois que te encontrou, meu peito nunca mais foi o mesmo. Trocou pulsar, por calmaria. Não ligue-me à meia-noite esperando justificativas mais bonitas. Prefiro dizer que foi porque o tinha de ser a ver-te carregar no peito culpas que não são inteiramente tuas. Deixei-o pois, não há forma piedosa de se anular por muito tempo. Espero esbarrar comigo em uma esquina qualquer, e quem sabe numa dessas, não esbarro em você?! 


P.s: Lembre do analista na quinta.


Da sempre tua, C.

Puritana

Marchava desvairada pelas ruas e abraçava-me àquela desculpa, àquele livro como se ato tão tolo fosse me absolver, me purificar. Eu tinha medo, uma agonia inconstante. Queria correr e chorar, mas não sabia para onde, nem por que. Sentia-me fraca, deprimida… Podia sentir meus cabelos se emaranhando cada vez mais e os meus olhos ficando mais escuros. Sentia a feiura e o pecado me devorarem com pressa exacerbada. Eu buscava nos olhos de qualquer uma das almas vazias que corriam ao meu redor algo que me fizesse melhor, mas não havia piedade, não havia nada. Adoraria ter forças para subir ao prédio mais alto e deixar que alguma alma suja possuísse o meu corpo, ainda que por poucos instantes. Ter outros infortúnios, e por ventura, algum prazer… Faltava-me fome de alimento e de vida, havia um imenso vazio, que por jamais ter sido preenchido, não sabia o que lhe causaria agrado. Naqueles minutos (que aparentavam séculos) qualquer um que me apontasse e gritasse “puta!” teria a minha concordância. A vida inteira, disseram-me amável, esperta, pura, mas naquele momento apenas como puta eu poderia ser vista. Apenas como puta eu me sentia. Apenas uma puta eu era. E coisa alguma poderia mudar isto. Cabeça baixa, ventre pesado, corpo sujo, desejos prolixos… Sintomas de algo vadio apossando-se de mim. Era como se minhas veias houvessem secado, como se estivesse tão impura, que até mesmo o sangue havia decidido abandonar-me. E mesmo sem ele, eu continuava a usufruir da vida. Mesmo sem motivação ou inspiração, mesmo sem vontade de viver, eu vivia. E este era o meu maior pecado. Não somente meu, mas de todos nós. Que não nos encaixávamos em classe ou tribo alguma. Que não possuíamos rótulos ou derivados e que não éramos possuídos por nada. Apenas pela luxúria. E somente de caprichos vivíamos. Num mundo de gozos e ofegos. De dentes e marcas. Tínhamos um lugar só nosso: mundo-cão. E o nosso próprio pecado: viver.

Jogue ao vento: dores e cores.

Que o vento leve
o que não me serve,
mas que tenha clemência 
e deixe algo leve.

A tristeza de agora
foi d’outrora demência.
Desaba tudo lá fora
e me falta paciência.

Valsa dos Desengonçados

Um ser humano egoísta
A gracejar com um tolo mal-amado. 
Um tolo que só vê “bagagem”
E uma egoísta que só quer amor.


Um só quer sacanagem 
O outro só quer uma flor. 
Um não quer viagem
E o outro não sente dor.


Pensar só em si é besteira
Mas o que fazer se não mudas?
Triste viver só de brincadeira
Mas o que fazer se não curas?


Cansei, cansei!
Não quero mais dançar.
Voltei, voltei!
Mas não pra ficar.


Dois pra lá, dois pra cá.
Não posso acreditar!
Um sol e um fá
Ninguém quer bailar!


Grita, chora, pisa no pé. 
Corre, vai embora.
Volta e não quer.


Síndrome de achismo 
Infinita chatice.
Ele só quer o egoísmo
E ela só quer a tolice.

Sem (com)paixão.

O mundo é um lixo
E eu sou recicle
Egoísta, fútil e meia-boca.


Vivo a dançar para as lindezas desse viver
Falho, mas vivo…
E assim teço minha teia de ilusões.


Desejo profundo
De um mundo belo, pleno,
Que só tem lugar para igualdade e compaixão.


Empatia é egoísmo
Sentes na pele
Pois se coloca no lugar d’alguém sofrido.

Não sentes muito por alma triste e mal tratada
Choras, pois poderia ser você.

Prece Perdida


sentir
qualquer coisa miúda
ou dolorida
que não me obrigue a ficar
ou voar

ser
qualquer coisa bonita
ou sem vida
que não precise de mares
ou saída.