segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Violeta.

Pensara em pintar os lábios, antes mesmo de abrir os olhos. Vermelho, rosa, coral… Dificuldade sublime sempre fora escolher o tom. Da cor ou dá canção, sempre usara o coração. Surgiam perguntas indiscretas, com interesse pouco destilado. E Violeta, mulher esperta e sorrateira, encantava-se por mostrar-se desentendida. Um canteiro de flores, um quarto e mais três quartos de amor, um violão talvez… Mas nunca achara que fosse pedir demais. Talvez não o fosse.‘Pois mãe, desde sempre, ensinou-me a buscar amor, querer amar e bem-querer.’ E os batons, tantos, definiam o estado de Violeta. Lamentos, pegar ouvidos emprestados, nada disso apetecia. Colorindo os lábios, ela colocara todos os sentimentos expostos bem em sua face, sorte ou azar pra quem o notar. Como fosse carma, azar de força maior, o homem dos pesadelos apareceu numa dessas noites escuras e quentes, porém solitárias. Elogiou seu batom vermelho e insistiu em tirar-lhe o riso frouxo. Encantou-a sem meias-verdades ou um bando de suposições. Violeta fez cena. Querer amor é coisa complicada. A moça sabe que há um tanto de coisas que se confundem com o tal procurado. Buscava amor, mas não era tola. Uma boba apaixonada, heis o termo certo. Insistente, o homem dos pesadelos, apareceu em outro encontro casual e desta vez, sem desleixos, trouxe-a um buquê de rosas tão vermelhas quanto o batom do encontro passado. Novamente elogiou os lábios da mulher, cor-de-mel desta vez. E assim foram-se os dias, assim apegaram-se. Violeta queria bordar-se no homem, apesar de saber que era o dos pesadelos. E o tal homem, queria distribuir afeto a cada instante para a moça de nome bonito. Daí correu-se o tempo, esvaiu-se o afeto enquanto o desejo de bordar-se e se unir de uma vez por todas ao homem, só crescia. Apesar de que nem fora capaz de desvendar o mistério de seus lábios coloridos, que faziam festa até mesmo em um espelho qualquer. Violeta tinha um coração bom, demais até. O homem dos pesadelos tinha uma cabeça boa. Ao notar, ela pensou em desistir, mas afinal não ganhou nada. Ah! Homem dos pesadelos? Violeta sempre usa este termo para referir-se a ele, pois não há pesadelo maior do que aquele que se camufla de sonho. Fora falso, frio e frígido. Mas a doçura, permitiu que ela sorrisse, pintasse os lábios de vermelho e saísse em busca de um homem dos sonhos ou dos pesadelos, talvez.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Aflita Calmaria

[…] Enquanto pintava os lábios de vermelho-sangue, pensava em qual caminho seria mais longo até chegar ao velho bar do centro da cidade. Sim, o bar que lhe trazia tantas memórias. Um último toque nos fios de cabelo e a moça saía de casa cambaleante e um tanto quanto dispersa. Largou a chave do carro sobre o sofá e decidiu que andar seria mais propício, colocar as idéias em ordem enquanto o vento lhe soprava os cabelos… Seus pés sujaram-se um pouco, pois respingos d’água surgiam, enquanto ela pisava em poças, que restaram da chuva do dia anterior. - Tantas vezes já traçara àquele caminho, mas engraçado; ora era tão colorido, ora se perdia em preto e branco. Talvez faltasse certa companhia, para tirar-lhe sorrisos involuntários, protegê-la do frio de ruas escuras, ou até mesmo, tentar em vão irritá-la… Chegando, empurrou a porta rotatória e hesitou por alguns instantes. Ela sentou-se na mesa de sempre, pediu o drink de sempre, apreciando o blues que sempre tocava ali e esperou. Talvez a companhia fosse, como de costume, a de seu amante que lhe aparecia em encontros tão casuais! Algumas vezes ela já reclamara de viver um meio-romance, repleto de talvez e de incertezas, mas naquele instante ela não se preocupava com quão efémeras eram sua relações. Talvez ele surgisse do vento ou nunca chegasse nem à porta daquele lugar. E ela? Ah, ela esperava… 

Essência Essencial?

O brilho no olhar está lá. Sentir, primeiro passo. Atos. O essencial são atos. E então o espelho vira platéia e qualquer lugar palco. Com espelho sempre, claro. Palavras, uma encruzilhada delas. De cá e de lá, dizem o mesmo: disfarçar, disfarçar! Mas natureza teimosa lhe fora concebida. Bem a usava. Princípios, tudo que lhe pertencia. De berço ou de beco, eram sagrados. Complicações estavam isentas. Dores, talvez. Sentir, sorrir, deixar-se levar. Por sentimentos ou mãos seguras, entregava-se. Sem máscaras. Sem ensaios. Sem palavras. Sem pensar. Apenas sentindo. Apenas fazendo o que bem quisesse. Palavras não provam muito. Atos sem palavras, nada são. Inseparáveis? Talvez. Mostrar os dentes. Sorrir com os olhos. Falar com a boca. Dizer a quem importa. Mundo inteiro, pra quê? Repulsa a treinos. Pré-reação. Rótulo de exceção não lhe cabe. Carimbo de mais-um-na-multidão também não. Não suspira de amores. Não converteu-se a poetisa. Não fala muito. Não planeja. Não é insegura. Não associa… Não ama?

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Sortilégio

Como fosse ato de natureza maior, ele fincava as garras em minhas mãos ávidas e sussurrava juras ao meu ouvido, como sempre fizera. Nas primeiras, segundas e até mesmo terceiras vezes fora arrebatador e exótico viver àquilo, sentir tantas coisas num corpo só, em uma só vida. Olhava-me nos olhos, beijava-me a boca e sorria-me com lábios sinceros e repuxados. Costumava desde sempre, valsar comigo espalhando cores pelas ruas vazias e escuras de noites acolhedoras. Levava-me rosas, sempre que podia, e vez ou outra fazia com que algumas pétalas encontrassem com minha pele, "branca feito neve, macia feito pluma". Não havia dengo ou meio-termo, ele somente olhava-me nos olhos e falava usando uma voz suave e um tanto sedutora. Era um timbre meio vaidoso, talvez moldado... Mas era o que mais gostava de ouvir em sussurros abafados e estridentes à meia-luz das noites frias. Sabias feito ninguém qual o território certo a desbravar quando o escuro surgia. Sabias como tocar, onde beijar, com quem gostaria de estar, e estava. Mistérios aos montes, empilhados em alicerce duvidoso e falsário. Pobre de quem ousasse tentar desvendá-lo, o equívoco era de certo. Beijava-me e beija-me. Gostava e apenas permito. Caligrafia rebuscada jorrava escritos pelo meu corpo e me encantava, me desejava, me tinha. Mas esqueceu-se de renovar, caiu no precipício rotineiro e sem mais. Certo era que recorrer aos sortilégios, não surtia mais efeito algum.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Escritos, apenas escritos, jamais entregues.

Meu bem, eis me aqui expondo-me ao ápice do clichê. A luz não bate na minha janela e reflete a clareza tão semelhante a que vem de teus olhos, a única luz que há, nasce e por consequente, morre em mim também. Morre, pois sem encontrar com os olhos teus não há pra quê continuar em vida, Bastião. Desencanto tamanho sei que há no previsível e também sei quão previsível esta carta é. Mas que seja de fácil previsão, compreensão e conclusão. Desde que este corpo velho e fadado encontraste com o teu, um pouco fadado, confesso, mas de alma tão bela e prolixa, nunca mais pude continuar a ser como ousava ser anteriormente. Por onde andarás nosso velho blues, com xícaras enormes de café que transbordavam afeto? Será que decidiu partir juntamente com o nosso refúgio? Sei que amor é clichê, tanto quanto saudades, mas o que será mais clichê, Bastião? Amor a gente tem, sente e sabe. Sabe que algo dentro do peito vai palpitar mais ligeiro quando encontrar certo par de olhos, sabe que as mãos vão perder o rumo e com ou sem permissão, só vão aquietarem-se quando encontrarem as mãos que procuram, mãos que não são suas. Sabe, por ventura, que antes que perceba estará cheio de manias, lembranças e desejos. Desejo de carinho, de afeto, de mimo e de calor. Daí surge a saudade, ora como consequência do danado amor, ora por proeza e luxúria alheia. Com saudade a gente sofre, luta e sente. Sente falta, mas é claro! Falta das conversas em horas inadequadas, dos risos que se encontravam por olhares, das preocupações insanas… Falta de saber que a falta que se sente, será cessada em breve. E porque não sentir falta das cenas mais bobas, que você insiste em crer que poderiam estrelar um belo filme de romance antigo? Sabes que já provei do amor e bebi desta fonte contigo e óbvio é, que agora a saudade é que me arrebata. Escrevi para compartilhar contigo meus desvaneios, como costumávamos fazer antigamente. E para dizer-te: Bastião, não esquece que eu sou tua menina, a menina de cabelos negros e olhos d’água, que foi e continua sendo inteiramente tua. A culpa do fim não és minha, também não és tua, de quem é? Não sei. E culpados seriam inúteis, não te trariam de volta para o recanto que se esconde entre meus braços. Trariam? Sou demasiadamente avoada e assim como não notei quando esse romance nasceu, também não percebi que ele murchava e tanta falta de água, adubo e sol, lhe levaram ao fim. Perdoe-me, pela displicência e pela falta de culpa. Teu coração é leviano, Bastião e não imaginas quanta dor causaste ao meu, tão cauteloso. Cauteloso, porém um tanto insensível por demorar tempo demais para perceber que tu se fora. Tu foste, mas não abrandaste meu calor. E agora o que serás de mim? Tu foste sem deixar-me aviso prévio, foste sem permissão para ir. E o que mais me maltrata é saber que foste antes que eu pudesse proferir àquelas três palavras, tão clichês, tão tolas e tão simbólicas ultimamente. Todavia, machuca-me também saber que tentei fazer isso da forma mais bela possível, demonstrei com minhas mãos, com meus lábios e com todo o meu ser o quanto eu te amava, mas dói bem profundo, saber que talvez você não tenha notado. Não falei, não sou boa com palavras. Me arrependo e confesso. Mas perdoe-me e volte. Volte pra cá, volte pra mim! E saibas que escreves a ti, a menina que dos céus sempre espera que você esteja aqui. Espera por ti e não tem mais medo de dizer… Sim, ela te ama. E não precisa de um “eu também” para sentir isso. É um sentimento autônomo, porém sincero.
                                                                     Da sempre tua, Clarisse.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Incurável.

Talvez esta seja a lembrança mais lúcida de minha vida, apesar de eu estar em puro êxtase. Não sei ao certo como explicar de forma coerente, mas até é bobeira tentar achar coerência num romance como esse. Ele acabava de acordar, saiu da cama pra se jogar sobre o sofá da sala e me observar fazer panquecas para nós dois. Virei meio de lado e sorri pra ele, que me retribuiu com aquele sorriso torto que eu amava mais que tudo. Decidimos não ir à faculdade naquele dia, preguiça, falta de disposição, amor demais… não sei ao certo. Mas as cobertas e o velho carpete da sala pareciam bem mais convidativos que o campus. Ligamos a TV num canal qualquer, enquanto conversávamos sobre insetos. A conclusão foi de que as borboletas são extremamente belas, mas os vaga-lumes são bem mais encantadores e acabam por se tornarem mais belos. Mesmo sendo tão pequenos, conseguem com toda a sua humildade iluminarem os lugares por onde passam. E num súbito, aquele cara bobo que dividia cobertas e pensamentos idiotas comigo, disse que eu era o vaga-lume mais precioso que ele já encontrara, que além de ter todas as qualidades desse inseto eu era dele e isso era o que mais o satisfazia e o tirava sorrisos tão involuntários. Para relutar contra o romantismo piegas do qual eu preferia manter distância, disse que na condição de vaga-lume eu gostaria de ser livre e iluminar a vários outros lugares. E sem deixar se abalar por meus contra-argumentos, ele disse que mais do que iluminar a um lugar, estando ali, eu iluminava a uma vida inteira. Insisti mais um pouco contra o pieguismo, mas foi em vão, sabia que não o abalaria. Ele me fitava com aquele olhar de quem podia enxergar minha alma e meu corpo desejava o dele,eu queria ser possuída pelo dono daquele olhar marcante, forte e perturbador, que me desconcertava por inteira. Já havíamos feito amor em todos os lugares daquele pequeno apartamento e novamente decidi despertar os instintos dele ali naquele carpete surrado. Logo já estávamos despidos e entregues ao calor de dois corpos que emanavam desejo e paixão. Durante uma juventude inteira fomos felizes, vivendo no que parecia ser o menor lugar do mundo, mas o único capaz de abrigar aquele amor tão vagabundo e sorrateiro. Aquele cara me proporcionou os sentimentos mais intensos deste mundo e não importa como tudo acabou. Não me importa a forma como o nosso amor se foi juntamente com a nossa juventude. Jamais precisei negar a mim mesma que aqueles foram os tempos mais felizes e extremos de minha vida, eu ainda penso nele e sei que ele também pensa em mim. E quem sabe um dia nossos pensamentos não se cruzem numa esquina qualquer junto com os nossos corpos?

Afagos Interiores.

Na estrada pra lugar nenhum,
em meio a passos desconcertados
e desejos utópicos,
avistou uma margarida.


Resolveu brincar de bem-me-quer. 
"Bem-me-quer, mal-me-quer..."
Será que alguém vai querer?
O talo foi-se ao chão em queda livre.


Mas e o resultado qual fora?
Bem ou mal lhe queria?
Nunca precisou saber,
afinal, no fundo sempre seria bem.

Simplesmente Desamor.



     
 Às vezes passava noites inteiras acordada. Não porque o sono lhe faltasse, mas ele era pouco comparado à dor que lhe agonizava o peito. Olheiras e arfar fadado. Raios de sol invadiam-na, iluminavam o interior obscurecido pela dureza da noite solitária. Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac. O dia correu e ninguém notou. Lamúrias, destreza para aceitar à dor. Ele tocava a campainha e o blin-blon fazia o coração da moça disparar. Um salto, um movimento e novamente se perdera fitando por demasiado tempo os olhos do rapaz. - Calma, menina. - Como de costume, ela permitira que ele adentrasse na sua casa, no seu quarto, na sua vida… E foram risos, foram carícias, foram perdões e foram cessar com a falta que ambos sentiam. Quatro ou cinco horas juntos e tudo que restava era a incerteza. O moço a chamava de pequena e beijava-lhe a testa, bem como suplicava para que ela se rendesse a ele e a amava de corpo e alma. Haviam as borboletas, havia o pulsar intenso, haviam os devaneios, havia o refúgio, havia o desconcerto, havia a calmaria, havia um tanto de coisas fundamentais… E talvez houvesse amor, mas nesse romance nunca houve espaço pra outro capítulo. Afinal, a mocinha não sabia amar.

Senhor e Senhorita.

 A água do mar rompia os limites com a moça e molhava os pés dela com sutileza. Ela esbanjava a personalidade simplória que passara anos tecendo. Vestido claro que contrastava com seus cabelos escuros. Caminhava em passos calmos e firmes pela areia daquele lugar quase deserto, enquanto a dor se esvaía pelos olhos.Os raios de sol tocavam o rosto dele e com o tempo fazia-o arder, mas o sorriso sempre coloria àquela face. Dobrou sua calça e subiu numa pedra, abriu os braços e deixou o vento tocar-lhe o corpo. Ele estava revigorado, já havia se libertado de tudo que lhe corrompia. Dentre ninguém, tanto ele, quanto ela avistaram outra pessoa. - Só mais um alma amargurada que vaga pela praia, fitando o horizonte em busca de um resposta ou de uma solução para as utopias da vida. - Olhares proibidos que se encontravam por entre as mechas de cabelo que caíam sobre o rosto dela. Ela desejava matar às borboletas que se instalaram num súbito em seu estômago. Ele aceitava com certo pudor o pulsar mais rápido de seu coração. Um negava, enquanto outro consentia… Eram opostos, puramente antagônicos e será mesmo que os opostos se atraem?

Naturalmente Artificial.

 Sempre acreditei na tese de que a sensibilidade é bem mais viável que a indiferença. Um fim de tarde ensolarada, uma rede estendida na pequena varanda de paredes fixadas num amarelo-desbotado e uma mente, é… e a minha mente entorpecida por paradoxos. Lágrimas por consequência de outras lágrimas, que não são minhas. Num passado não muito distante, mas um tanto quanto remoto refugia-se essa tal tese. Talvez enterrada na mais distante terra de minhas memórias ou foi-se embora num naufrágio de quem eu era. E jamais poderá ser encontrada na praia de quem eu me tornei. Há quem diga que nessa jornada confusa, que muitos chamam de vida, todos hão de buscar novos horizontes para suas crenças e descrenças. Hei de ter dó de quem se baseia em suposição alheia para viver. Crente ou descrente, espero por minhas próprias conclusões. O sol ao se pôr pode emanar rosado, então me privo de acreditar que é amarelo. Sensibilidade acarreta mágoas pra quem a usa, e esta conclusão eu tive por mim mesma. Indiferença é mais viável. Sabia, sabiá? Sabia que coração, ainda que seja de pedra, é coração?

Inundando a Maria de Desilusões Ilusórias.

Não perde agora, Maria.
Sei que já se perdeu, 
mas não perde.

Vão ser lágrimas, lenços.
Vão ser quedas, abraços.
Ser qualquer coisa, mas vão ser, Maria.

E tu há de ouvir às lâminas inconstantes 
que ora fazem bem, ora fazem mal.
Tu há de ouvi-las embasadas a tua gana, Maria.

Tais como borboletas, que pouco duram
hão de ser tuas prévias da felicidade.

E sei que vais me perdoar pela indiscrição… 
Mas informar-lhe-ei:
talvez o que tanto queres ouvir,
não venha de quem tanto quer ouvir, Maria.

Mas não perde. 
Não perde a fé e o desejo, Maria.
Que o teu destino é traçado pelas tuas mãos.

A Dama das Tulipas.

Ele era apenas um amigo, um amigo de um amigo. E eu acreditava que o seria sempre. Acreditava que numa sexta-feira do fim de junho, ele viria pegar emprestado meu ombro e chorar dores de um amor-naufrágio. Mas ele mudou o rumo de tudo, ele me mudou. E ao invés de se lamentar, tocou meus lábios com os seus, no fim de junho. Ele fora o cessar da primavera onde não havia jardim para recebê-la. Nunca fui apta para romances, para amar. Até porque essa história de amor, nunca me pareceu muito verídica. — Como eu iria sair por aí proclamando que amo fulano, se eu nunca tivesse tido conhecimento do amor? Se eu nunca o tivesse visto em filmes, músicas e afins? Amor mais me parece uma utopia empírica, criada sabe-se lá pra quê. Não digo que não existe, mas é algo bonito e puro demais para ser usado por meros mortais. Não é aquele vestido que quando novo, uso diariamente e depois que o desgasto encondo-o no fundo do armário, caso sinta vontade de usá-lo novamente numa outra estação. Atração, paixão, compaixão, desejo, necessidade, empatia… E outros vários sentimentos que se confundem com amor na cabeça de quem os sente. O que aconteceu naqueles três anos foi algo forte e arrebatador. Um romance digno para alguém, digno para mim, mas não sei se foi amor e nunca o saberei. Sempre fomos amantes em apuros, alicerçados num ‘talvez’ eterno. Moços me cortejavam com frequência considerável, queriam relações certas, na linha reta. E por mais que tantos me julgassem tonta por não os aceitar, havia algo em mim que não se agradava com aquilo. Esse Bastião nunca teve nada demais. Era moço simples, mas requintado. Tão imprevisível, tão misterioso. E afinal, o que seria de um homem sem seus mistérios? Fraco, na melhor das hipóteses. Ele tinha um silêncio que irritava tanto quanto sua algazarra. Nunca soube o que me fez necessitar tanto daquele moço, mas sei que as tulipas me agradavam. 

Questão de ser.

 Maria Pequena era moça de grande coração, grande o suficiente para abrigar à um tanto de saudade, um tanto nem tão pequeno. Pois haviam as grandes folhas da árvore do quintal que esqueceram-se de cair para que Maria pudesse brincar. E o vento? Pra onde raios soprou, que esqueceu-se de soprar os cabelos da menina e num dengo tirá-la para valsar? Para Maria Pequena o mundo era grande visto do topo de seu um metro e meio. E ela também era grande ao ver de seus amigos com pouco mais de seis anos. A Pequena também tinha saudade da grande janela de seu antigo quarto e se entristecia ao ver por entre as grades só um bando de carros, prédios e pressa. Pobre garotinha, não queria a enorme TV, nem o enorme prédio ou o pequeno apartamento. À noite, ela fechava os grandes olhos e com seus joelhos miúdos enterrados no carpete orava para ter sua árvores, seus pássaros e sua antiga vida de volta. Quando o sol raiava, ela não sentia mais os raios escaparem pela cortina que esvoaçava, e queimarem de leve sua pele. Agora, Pequena mal via o sol. Mas quando a mamãe a chamava feliz, ela pintava um sorriso no rosto e corria apressada com suas pernas curtas para o colo materno. Maria Pequena era menina, menina que de pequena só tinha o nome.

"Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena"

                  

  A porta é estreita, mas tu passa sem esforço. A sala é pequena, mas abriga meias-conversas em fins de noites. Os braços são finos e curtos, mas estão dispostos a te acolher. Afinal, tamanho nunca foi documento. Inteira, meia ou findada, contigo sempre há de ter o algo-a-mais. Porque eu sei que a vida é chata, sem graça, morna e daninha, mas basta um rastro dessa barba mal feita e desse hálito venoso que tudo se perde em cores, mistérios, ânsias e ganas. A casa é pequena, mas cabe nós doisA cama é miúda, mas abriga todo o amor.

Chico, o mentiroso de bom coração.

   A satisfação era evidente no modo como as palavras soavam estridentes e compassadas entre seus lábios. Pergunta a quem quiseres, a resposta há de ser a mesma: Chico era moço feliz, tinha mulher, filhos… E a forma como o amor emanava do meio daquela família era algo singular por demais. O amor dela por ele, e o dele por ela e o deles por ela que também amava ele, que era amado por eles. Aquele danado sorriso coloria à face de Chico até mesmo, nos dias mais frios e solitários, quando Rosa decidia ir aquecer aos filhos.
   Mas depois de algum tempo chegou-se a nota de um observador da vila: Porque Maria é tão triste se vive com o distribuidor de sorrisos? O homem sorria e levava a felicidade consigo, mas a mulher não fazia o mesmo. E porque raios não o fazia? “Ambos tem praticamente a mesma vida, será que a simpatia do marido incomoda tanto assim à esposa?” Comentavam os desocupados. - Larga de ser infeliz, mulher! - Mas equívoco fora o de todos. Quantos daqueles linguarudos sabiam o que se passava por detrás da porta? Os vizinhos podiam de forma muito simplória enxergarem ao sorriso de Chico, mas Dona Rosa via o que se escondia nos olhos tristes do marido. Nos olhos, muitas vezes ofuscados pelo encanto do seu sorriso. Era insana a forma como ela fazia válido o ‘sim’ que dissera no altar há exatos dezoito anos atrás, apenas num olhar ela desvendava todos os mistérios que Chico, usava de um esforço tremendo para camuflar mostrando os dentes. Sabes… ele amava a mulher e os filhos, mas havia algo a mais. Havia uma paixão reprimida há anos, reprimida porém não esquecida.
  Bem sabia Rosa, que o marido era o maior apaixonado por escritos. Ainda que tentasse, ela jamais esqueceria o poema de sete versos que fez seu coração derreter-se em um café às seis da tarde. Chico era esperto como outrora ousou ser algum sábio, usara de uma paixão para conquistar outra. E a saleta nos fundos da casa com a chave quase que perdida, era o cemitério dos sonhos do homem. Vez ou outra, ele resolvia ir lá, mas ao invés de levar flores aos defuntos, ele levava alguns versos escritos sob a meia-luz das noites solitárias. Quiseste como quem nada quer, mas ela sempre soube o que querias. Um sorriso sincero bordado nos lábios de Chico, uma felicidade duradoura esvaindo-se de seus olhos. Queria o Chico de anos atrás, o bom e velho escritor de versos não-vendidos, porém sentidos.