sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Chico, o mentiroso de bom coração.

   A satisfação era evidente no modo como as palavras soavam estridentes e compassadas entre seus lábios. Pergunta a quem quiseres, a resposta há de ser a mesma: Chico era moço feliz, tinha mulher, filhos… E a forma como o amor emanava do meio daquela família era algo singular por demais. O amor dela por ele, e o dele por ela e o deles por ela que também amava ele, que era amado por eles. Aquele danado sorriso coloria à face de Chico até mesmo, nos dias mais frios e solitários, quando Rosa decidia ir aquecer aos filhos.
   Mas depois de algum tempo chegou-se a nota de um observador da vila: Porque Maria é tão triste se vive com o distribuidor de sorrisos? O homem sorria e levava a felicidade consigo, mas a mulher não fazia o mesmo. E porque raios não o fazia? “Ambos tem praticamente a mesma vida, será que a simpatia do marido incomoda tanto assim à esposa?” Comentavam os desocupados. - Larga de ser infeliz, mulher! - Mas equívoco fora o de todos. Quantos daqueles linguarudos sabiam o que se passava por detrás da porta? Os vizinhos podiam de forma muito simplória enxergarem ao sorriso de Chico, mas Dona Rosa via o que se escondia nos olhos tristes do marido. Nos olhos, muitas vezes ofuscados pelo encanto do seu sorriso. Era insana a forma como ela fazia válido o ‘sim’ que dissera no altar há exatos dezoito anos atrás, apenas num olhar ela desvendava todos os mistérios que Chico, usava de um esforço tremendo para camuflar mostrando os dentes. Sabes… ele amava a mulher e os filhos, mas havia algo a mais. Havia uma paixão reprimida há anos, reprimida porém não esquecida.
  Bem sabia Rosa, que o marido era o maior apaixonado por escritos. Ainda que tentasse, ela jamais esqueceria o poema de sete versos que fez seu coração derreter-se em um café às seis da tarde. Chico era esperto como outrora ousou ser algum sábio, usara de uma paixão para conquistar outra. E a saleta nos fundos da casa com a chave quase que perdida, era o cemitério dos sonhos do homem. Vez ou outra, ele resolvia ir lá, mas ao invés de levar flores aos defuntos, ele levava alguns versos escritos sob a meia-luz das noites solitárias. Quiseste como quem nada quer, mas ela sempre soube o que querias. Um sorriso sincero bordado nos lábios de Chico, uma felicidade duradoura esvaindo-se de seus olhos. Queria o Chico de anos atrás, o bom e velho escritor de versos não-vendidos, porém sentidos.

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