quarta-feira, 5 de junho de 2013

Puritana

Marchava desvairada pelas ruas e abraçava-me àquela desculpa, àquele livro como se ato tão tolo fosse me absolver, me purificar. Eu tinha medo, uma agonia inconstante. Queria correr e chorar, mas não sabia para onde, nem por que. Sentia-me fraca, deprimida… Podia sentir meus cabelos se emaranhando cada vez mais e os meus olhos ficando mais escuros. Sentia a feiura e o pecado me devorarem com pressa exacerbada. Eu buscava nos olhos de qualquer uma das almas vazias que corriam ao meu redor algo que me fizesse melhor, mas não havia piedade, não havia nada. Adoraria ter forças para subir ao prédio mais alto e deixar que alguma alma suja possuísse o meu corpo, ainda que por poucos instantes. Ter outros infortúnios, e por ventura, algum prazer… Faltava-me fome de alimento e de vida, havia um imenso vazio, que por jamais ter sido preenchido, não sabia o que lhe causaria agrado. Naqueles minutos (que aparentavam séculos) qualquer um que me apontasse e gritasse “puta!” teria a minha concordância. A vida inteira, disseram-me amável, esperta, pura, mas naquele momento apenas como puta eu poderia ser vista. Apenas como puta eu me sentia. Apenas uma puta eu era. E coisa alguma poderia mudar isto. Cabeça baixa, ventre pesado, corpo sujo, desejos prolixos… Sintomas de algo vadio apossando-se de mim. Era como se minhas veias houvessem secado, como se estivesse tão impura, que até mesmo o sangue havia decidido abandonar-me. E mesmo sem ele, eu continuava a usufruir da vida. Mesmo sem motivação ou inspiração, mesmo sem vontade de viver, eu vivia. E este era o meu maior pecado. Não somente meu, mas de todos nós. Que não nos encaixávamos em classe ou tribo alguma. Que não possuíamos rótulos ou derivados e que não éramos possuídos por nada. Apenas pela luxúria. E somente de caprichos vivíamos. Num mundo de gozos e ofegos. De dentes e marcas. Tínhamos um lugar só nosso: mundo-cão. E o nosso próprio pecado: viver.

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